Autor Tópico: Técnicos Auxiliares De Estacionamento Urbano  (Lida 1013 vezes)

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Tiffosi

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Técnicos Auxiliares De Estacionamento Urbano
« em: 03 de Outubro, 2007, 16:51:02 »
Arrumadores ilegais

Actuam nas ruas, em zonas negociadas, e mesmo em locais taxados pelos parquímetros. Raros são os que têm licença para a actividade, e ainda menos os que não são dependentes de drogas. No final de 2006, o Governo acabou com o único programa que não estava na gaveta. E que já reabilitara socialmente 400 arrumadores de automóveis na cidade do Porto

Arrumados na gaveta
   
Ainda não é considerada a mais velha profissão do Mundo, mas, em Portugal,  a actividade sobrevive há já quase duas décadas nas ruas das grandes cidades. Entretanto, ao longo da sua existência marginal, estes "profissionais" foram já ameaçados com ordem de prisão (nunca concretizada); sujeitos a estudos sociológicos; houve ainda um autarca que deles todos se disse amigo do peito. E também um programa concreto que os retirava das ruas, tratava das muitas dependências e os reabilitava socialmente.

Mas, com esse, o Governo acabou no final de 2006. Eis, em breves traços, o cenário dos arrumadores de automóveis, que continuam a actuar fora da alçada de uma lei omissa que os quis licenciar (ver caixa); e de qualquer projecto que não se encontre, também ele, arrumado, estacionado, numa gaveta do poder local ou central...

"Porto Feliz", final triste

Nas duas maiores cidades do país, apenas um projecto destinado a acabar com este flagelo, numa perspectiva mais ampla, viu alguma vez a luz do dia. Não demorou muito, de resto.

Ainda em 2002, a AutoMotor procurou tomar o pulso a este fenómeno social. Para tal, dirigiu-se ao Porto, por forma a dar conta do arranque do "Porto Feliz" (ver edição n.º 161 Novembro de 2002), programa que se propunha a mudar a vida a largas centenas de arrumadores - na sua maioria toxicodependentes (cerca de 95%). O programa assentava em três fases: tratamento da dependência das drogas e/ou do álcool; ocupação social - com a criação de novas rotinas e disciplinas mentais, para facilitar a reintegração na sociedade: e, por último, o emprego, tendo sido criada, para tal, uma bolsa no Instituto de Emprego e Formação Profissional.

Segundo os responsáveis da Câmara Municipal do Porto (CMP), a iniciativa foi bem sucedida ao ponto de, conforme confidenciou uma funcionária à nossa revista, "algumas dezenas de arrumadores terem chegado a declarar o IRS no ano passado". O balanço de quatro anos em vigor e do contacto com mais de 2500 toxicodependentes é, pois, francamente "positivo". "Dos 600 arrumadores tratados efectivamente, 370 atingiram a fase de reintegração na vida activa, ou seja, encontraram-se em condições físicas e psicológicas para começarem a trabalhar e... sem recurso a qualquer droga", sublinha o autarca portuense, eleito pelo PSD, Rui Rio.

Mas se o programa correu feliz, o seu final foi bem mais triste. "Desde Dezembro de 2006, não foi possível à CMP levar ao internamento mais nenhum toxicodependente para o tratamento de desintoxicação. Assim, estimamos que possam, em breve, voltar às ruas do Porto dezenas de arrumadores", lamenta o edil, acusando o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) de ter cortado "unilateralmente" o acordo anteriormente estabelecido com o Ministério da Saúde para a gestão da Casa de Vila Nova, onde eram acolhidos os indivíduos do programa para tratamento.

Na opinião de Rui Rio, tal deveu-se a uma vendetta política: "O Governo prefere deixar-se envolver pelas questões partidárias do que de facto resolver os problemas, nomeadamente tratar os mais excluídos da sociedade - os toxicodependentes -, que vagueiam pelas ruas sem rumo, sem destino e já quase sem serem pessoas". E acrescenta: "As razões que estão na base da impossibilidade de continuação do Porto Feliz não são nem técnicas, nem financeiras, nem jurídicas. Podem ser de natureza política. O Governo sabe e já viu que a CMP faz mais e melhor nesta área. Simplesmente não é da cor política do Governo", acusa, apontando directamente o dedo ao Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) que "decidiu unilateralmente romper com o protocolo existente".

Ninguém se entende sobre a solução a dar aos arrumadores.
Programas de reabilitação, nem vê-los...

Fenómeno mais vasto

Leitura distinta da situação tem o IDT. A avaliação que faz do "Porto Feliz" nem sequer é muito negativa, mas considera que, para um programa que tinha como objectivo "erradicar" os arrumadores da cidade do Porto, ficou bastante aquém desse objectivo", afirma João Goulão, presidente do Conselho Directivo do organismo. Porquê? Porque acredita que este fenómeno "transcende em muito a questão da toxicodependência e tem que ver com outros factores de exclusão social. No que diz respeito ao problema dos toxicodependentes, não faz sentido que o programa se desenvolva completamente à margem de todas as outras respostas laboriosamente desenvolvidas no terreno, quer pelos serviços estatais, quer por outros parceiros dos sectores social e privado", acrescenta.

Além do mais, Goulão discorda da responsabilidade do encerramento do "Porto Feliz", programa que, afirma, "suportou financeiramente, de forma significativa, desde a sua criação em 2002". O que o IDT pretendia, "de acordo com as orientações decorrentes do Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências Horizonte 2012 (aprovado em 2006) e com diversa regulamentação entretanto produzida, era que esse programa fosse encarado pelos parceiros (autarquia, Instituto de Segurança Social e o próprio IDT) como uma componente de um projecto mais vasto e abrangente de intervenção em toxicodependências na cidade do Porto. Para tanto propusemos a assinatura daquilo que designámos como um 'protocolo chapéu' entre estes parceiros, que daria abertura à celebração subsequente de um acordo com a Fundação para o Desenvolvimento Social do Porto, que conduzia o Porto Feliz, e também de acordos com diversas outras entidades com intervenções na área", adianta a mesma fonte, explicando que foi a CMP a bloquear a situação: "Esta proposta não foi aceite pela autarquia, o que nos conduziu a um impasse nas negociações; no entanto, nunca considerámos essas negociações como encerradas, o que veio a acontecer por iniciativa unilateral da autarquia", assegura.

Já a acusação de partidarismo, o responsável do IDT considera "totalmente desprovida de fundamento". Isto porque "havia divergências técnicas e processuais entre a autarquia e o IDT, mas o próprio ministro da Saúde, que tutela o IDT, sempre insistiu para que tentássemos chegar a plataformas de entendimento. Aliás, importa lembrar que foi a actual equipa do IDT (na altura dirigindo o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, entretanto extinto) que assinou o protocolo original relativo ao Porto Feliz. Já na altura tínhamos algumas reticências do ponto de vista técnico, mas, por não nos julgarmos detentores da verdade absoluta quanto à intervenção nesta área, assinámos o protocolo", confidencia...

Sem lugar à vista?

João Goulão considera razoavelmente controlado o problema dos arrumadores, "que já foi maior". O responsável do IDT acredita que "a importância que os cidadãos comuns atribuem ao problema da toxicodependência, que em 1997 era a principal preocupação da maioria dos portugueses, decresceu significativamente. "Também não me parece que haja cada vez mais arrumadores toxicodependentes nas ruas. Aliás, a visibilidade dos toxicodependentes mais desorganizados e desenraizados tem vindo a diminuir, fruto de uma acção continuada desenvolvida pelas estruturas de proximidade, nomeadamente equipas de rua, que muito têm contribuído para o acesso de muitos destes toxicodependentes às respostas de tratamento. Alguns continuam, apesar disso, a arrumar carros, o que constitui um arremedo de actividade profissional, à falta de outra. Existe um plano amplo de intervenção aos mais diversos níveis, seja ao nível da prevenção, do tratamento, da redução de riscos e minimização de danos e da reinserção, e também ao nível da redução da oferta. No entanto, este é um trabalho moroso e contínuo, que não dá frutos de um dia para outro. Penso que não se pode falar de 'falhanço' nestas intervenções, mas na necessidade de as continuar a avançar e aperfeiçoar, o que é o nosso objectivo", conclui João Goulão.

O IDT considera que o fenómeno dos arrumadores já foi mais grave do que é hoje. As ruas mostram o inverso...

Lisboa: a leste do problema...

A leste de toda esta problemática parece estar a capital. O silêncio sobre o assunto é elucidativo sobre a existência de algum programa sobre arrumadores, licenciados ou não - as últimas novidades sobre este flagelo foram transmitidas ainda por Santana Lopes, que garantia estar já em fase final um projecto da autoria da então vereadora adjunta, Ana Sofia Bettencourt. "Vamos ver se daqui a um mês já posso falar disso. É uma questão de semanas", adiantou o ex-presidente, ainda em 2002, à nossa revista.

Em pleno ano de 2007, e depois de duas semanas de frustradas tentativas de contacto com o recém-eleito presidente, António Costa, bem como com os seus assessores de imprensa, João Pires e Duarte Moral, fomos obrigados a dispensar as declarações da Câmara Municipal de Lisboa neste trabalho. Mas, quem sabe, as perguntas por nós colocadas (e não respondidas), não colocarão o assunto nas cogitações da autarquia?

Uma lei muito ambígua...
Licença para não pedir moedinha

Após um longo vazio legal, há cinco anos, o Governo, através do Decreto-lei nº 310/2002 (com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2003), procurou disciplinar a actividade de "arrumador de automóveis", atribuindo competências às autarquias para os licenciar - com a atribuição de dísticos anuais e definição de zonas por cada "profissional do estacionamento".

Sucede que a lei passou sempre ao lado da realidade. E do problema essencial: a generalizada dependência de drogas destes indivíduos, que torna "ingénua" a lei, não apenas na sua letra (morta), como na sua aplicação prática reservada aos agentes da autoridade - que convivem diariamente com estes indivíduos não licenciados, mesmo nas zonas de parquímetros, reclamando, muitas vezes na sua presença, de forma ostensiva, uma moeda aos automobilistas. Algo que o artigo 14º, alínea 3) do decreto proíbe: "É expressamente proibido solicitar qualquer pagamento como contrapartida pela actividade, apenas podendo ser aceites as contribuições voluntárias com que os automobilistas, espontaneamente, desejem gratificar o arrumador", pode ler-se.
Ou seja, por um lado, a actividade é assumida enquanto profissão, mas, por outro, ainda que licenciada, não permite reclamar qualquer pagamento pelo serviço.

Uma indefinição que não ajuda muito no trabalho das autoridades. Rui Rio concorda que existe uma complacência da polícia, nomeadamente quanto aos arrumadores ilegais. "Os agentes da autoridade têm razão quando também dizem que, para este efeito, têm poucos meios legais".
Por Lisboa, António Costa absteve-se de quaisquer comentários...

Fonte: Auto Motor, por Jorge Flores e fotos de Miguel Ângelo Silva